Carta Aberta aos Deputados

Carta enviada pelo Diretório Acadêmico Getulio Vargas aos deputados e deputadas que votaram a favor do arquivamento das denuncias contra o Presidente Michel Temer e aos que estiveram ausentes na votação, repudiando tais atitudes.

Segue o texto enviado:

"No dia 02 de agosto de 2017 foi votado na Câmara dos Deputados o arquivamento das denúncias de possíveis crimes de corrupção contra aquele que ocupa a Presidência da República, doutor Michel Temer, impedindo o prosseguimento das investigações tangentes aos escândalos e aos possíveis ilícitos nos quais esse senhor estaria envolvido. O Diretório Acadêmico Getúlio Vargas, representante dos estudantes de Administração de Empresas, Administração Pública e de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, vem por meio desta Carta expor seu descontentamento e seu repúdio em relação aos votos de todos os deputados e deputadas que se mostraram favoráveis ao arquivamento do processo de denúncia.

Caros deputados e deputadas, os votos proferidos por suas excelências não mantiveram verdadeiro compromisso com a República e com a Constituição, com a pátria e com a cidadania, com a vocação política verdadeira e com a ética, desmembrada no combate à corrupção generalizada que impera no Brasil tanto no setor público quanto no setor privado. O ato de suas excelências incidiram em impossibilitar uma investigação necessária e absolutamente justa de acordo com os princípios democráticos que regem a nossa República - de maneira que os senhores e as senhoras envergonham o povo, a memória dessa Câmara e das e dos inúmeros ilustres que ocuparam-na.

Lembramos aqui das palavras duras e cristalinas de Ulysses Guimarães no alvorecer da esperança e da democracia nascente que representou a promulgação da Constituição Cidadã no ano de 1988: “O povo passou a ter a iniciativa de leis. Mais do que isso, o povo é o superlegislador, habilitado a rejeitar, pelo referendo, projetos aprovados pelo Parlamento. A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos. Do Presidente da República ao Prefeito, do Senador ao Vereador. A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República. República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam. Não roubar, não deixar roubar, pôr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pública”.

As estruturas sociais brasileiras foram construídas historicamente sobre os pilares do patrimonialismo, do clientelismo, do cerceamento das liberdades negativas, da tirania perpetrada pela exceção e da confusão entre as esferas do que é público e do que é privado. A desconstrução desse modelo de operacionalização das relações institucionais no país é gradual e que vem ganhando força dentro de um processo de amadurecimento da nossa democracia, da opinião pública, da sociedade civil organizada, da própria pátria e das forças políticas, jovens e progressistas. Dentro desse movimento, o voto proferido pelo arquivamento da investigação representa um trágico retrocesso de resgate de estruturas políticas espúrias, não-representativas e desacreditadas.

Um país marcado por profundas violências, desigualdades e injustiças como o Brasil depende de um Estado institucionalmente robusto e fiscalizado por seus cidadãos, cujas funcionalidades, servidores e instituições estejam em pleno funcionamento em prol de um país menos desigual e mais desenvolvido, social, institucional e economicamente, ao qual a corrupção se coloca como um forte entrave. O voto irresponsável dos senhores e das senhoras não teve compromisso algum com uma agenda de combate à corrupção pautada pelo povo e pelas ruas. Condenamos, assim, sua atuação dissonante e completamente alheia às opiniões expressas em manifestações massivas nas inúmeras cidades brasileiras, sem nenhum diálogo com os movimentos sociais, os cidadãos livremente mobilizados e os setores da sociedade civil organizados. Exigimos, assim, que suas decisões sejam tomadas no respeito à Constituição e ao exercício direto da democracia, e não em seus meros interesses de manutenção do poder.

Impossibilitar a investigação de qualquer cidadão - mesmo ele estando Presidente da República - enfraquece nossas instituições, o pacto social que costurou nossa República, a história de cada brasileira e brasileiro que dedicaram suas vidas para a construção da democracia e a nossa imagem de Nação no mundo. Ainda mais quando ao referido cidadão é imputado o envolvimento em escândalos de desvio de verba, troca de favores pessoais e aparelhamento da máquina pública em nome de interesses privados, assim, ferindo profundamente os princípios da democracia aqui conquistada com grandes sacrifícios e passos firmes.

Aqui também expressamos nossa preocupação com o distanciamento das figuras e dos partidos políticos e das instituições do Estado em relação aos debates e as demandas colocados em pauta pelos cidadãos - frisamos que a solução para qualquer crise é e sempre será pela política, oxigenada pela participação popular e pelo aprimoramento da qualidade da Democracia. Mantemos esperanças vivas que no próximo período, isto é, de continuação do mandato popular aos quais os senhores e senhoras encontram-se investidos, suas excelências coloquem-se mais abertas para o diálogo com a população e que construam um Congresso mais plural e representativo a fim de garantir que os interesses colocados no jogo político cotidiano não se sobreponham ao interesse público e ao nosso Estado Democrático de Direito, que demanda cultivo e atenção constante para seu fortalecimento e floração.

Como representante dos futuros Administradores, Administradores Públicos e Economistas do Brasil comprometidos com a construção de um país menos desigual e mais ético, justo e democrático, o Diretório Acadêmico Getulio Vargas repudia e se envergonha dos votos favoráveis ao arquivamento do processo contra o presidente Michel Temer.
Lembramos, outra vez, as palavras do nobre e saudoso deputado Ulysses Guimarães - “A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar”."